sábado, março 25, 2006

quatro e meia da manhã

Charles Bukowski

os barulhos do mundo
com passarinhos vermelhos,
são quatro e meia da
manhã,
são sempre
quatro e meia da manhã,
e eu escuto
meus amigos:
os lixeiros
e os ladrões
e gatos sonhando com
minhocas,
e minhocas sonhando
os ossos
do meu amor,
e eu não posso dormir
e logo vai amanhecer,
os trabalhadores vão se levantar
e eles vão procurar por mim
no estaleiro
e dirão:
"ele tá bêbado de novo",
mas eu estarei adormecido,
finalmente, no meio das garrafas e
da luz do sol,
toda a escuridão acabada,
os braços abertos como
uma cruz,
os passarinhos vermelhos
voando,
voando,
rosas se abrindo no fumo
e
como algo esfaqueado e
cicatrizando,
como 40 páginas de um romance ruim,
um sorriso bem na
minha cara de idiota.

sábado, março 11, 2006

Atitude

Cecília Meireles

Minha esperança perdeu seu nome...
Fechei meu sonho, para chamá-la.
A tristeza transfigurou-me
como o luar que entra numa sala.

O último passo do destino
parará sem forma funesta,
e a noite oscilará como um dourado sino
derramando flores de festa.

Meus olhos estarão sobre espelhos, pensando
nos caminhos que existem dentro das coisas transparentes.

E um campo de estrelas irá brotando
atrás das lembranças ardentes.

quarta-feira, março 08, 2006

Ode ao Ciúme

David Mourão-Ferreira

Igual aos deuses me parece,
quem a teu lado vai sentar-se.
Quem saboreia a tua voz,
mais as delícias desse riso.

Que me derrete o coração,
e o faz bater sobre os meus lábios.
Assim que vejo esse teu rosto,
quebra-se logo a minha voz.

Sobe-me um fogo sob a pele,
seca-me a língua entre os dentes,
ficam-me surdos os ouvidos,
e os olhos cegos de repente.

Torna-se líquido o meu corpo,
Transpiro e tremo ao mesmo tempo.
Vejo-me verde, mais que a erva!
Só, por acaso, é que não morro!

domingo, março 05, 2006

Desespero

José Carlos Ary dos Santos

Não eram meus os olhos que te olharam
Nem este corpo exausto que despi
Nem os lábios sedentos que poisaram
No mais secreto do que existe em ti.

Não eram meus os dedos que tocaram
Tua falsa beleza, em que não vi
Mais que os vícios que um dia me geraram
E me perseguem desde que nasci.

Não fui eu que te quis. E não sou eu
Que hoje te aspiro e embalo e gemo e canto,
Possesso desta raiva que me deu
A grande solidão que de ti espero.

A voz com que te chamo é o desencanto
E o espermen que te dou, o desespero.