sábado, abril 29, 2006

A casada infiel

Federico García Lorca

E eu que a levei ao rio
supondo fosse donzela,
quando já tinha marido.
Era noite de São Tiago
e foi quase um compromisso.

Apagaram-se os faróis
e se acenderam os grilos.
Já nas últimas esquinas
toquei-lhe os peitos dormidos,
e se me abriram de pronto
como ramos de jacintos.
Polvilho de sua anágua
vinha ranger-me no ouvido
tal como um corte de seda
por dez lâminas rompido.
Sem luz de prata nas copas
os troncos tinham crescido,
e um horizonte de cães
ladrava longe do rio.
Atravessando o silvado,
por entre juncos e espinhos,
sob a sua cabeleira
fiz uma concha no limo.
Tirei a minha gravata.
Ela tirou seu vestido.
Eu, o cinto com o revólver.
Ela, seus quatro corpinhos.
Nem nardos nem caracóis
têm uma cútis tão fina
nem sob a lua cristais
relumbram com tanto brilho.
Suas coxas me escapavam
como peixes surpreendidos,
metade cheias de lume,
metade cheias de frio.
Naquela noite corri
pelo melhor dos caminhos,
montado em potra de nácar,
sem freios e sem estribos.
Não quero dizer, sou homem,
as coisas que ela me disse.
É que a luz do entendimento
me torna mui comedido.
Suja de beijo e de areia,
levei-a dali do rio.
Em luta com o ar, batiam-se,
brancas espadas, os lírios.
Portei-me como quem sou.
Como gitano legítimo.
Dei-lhe estojo de costura,
grande, de fina palhinha,
mas não quis enamorar-me,
porque, já tenho marido,
me disse que era donzela
quando eu a levava ao rio.

(tradução de Carlos Drummond de Andrade)
Da revista: "Poesia Sempre", nº 7, Fundação Biblioteca Nacional, 1996, RJ

sexta-feira, abril 21, 2006

The Garden Of Love

William Blake

I laid me down upon a bank,
Where Love lay sleeping;
I heard among the rushes dank
Weeping, weeping.

Then I went to the heath and the wild,
To the thistles and thorns of the waste;
And they told me how they were beguiled,
Driven out, and compelled to the chaste.

I went to the Garden of Love,
And saw what I never had seen;
A Chapel was built in the midst,
Where I used to play on the green.

And the gates of this Chapel were shut
And "Thou shalt not," writ over the door;
So I turned to the Garden of Love
That so many sweet flowers bore.

And I saw it was filled with graves,
And tombstones where flowers should be;
And priests in black gowns were walking their rounds,
And binding with briars my joys and desires.

quinta-feira, abril 06, 2006

Transforma-se o amador na cousa amada

Luís de Camões

Transforma-se o amador na cousa amada,
Por virtude do muito imaginar;
Não tenho logo mais que desejar,
Pois em mim tenho a parte desejada.

Se nela está minha alma transformada,
Que mais deseja o corpo de alcançar?
Em si sómente pode descansar,
Pois consigo tal alma está liada.

Mas esta linda e pura semideia,
Que, como o acidente em seu sujeito,
Assim co'a alma minha se conforma,

Está no pensamento como ideia;
[E] o vivo e puro amor de que sou feito,
Como matéria simples busca a forma.